Hoje é uma manhã de sábado, exatamente uma semana após o ocorrido, mas a minha cabeça e principalmente meu coração permanecem no sábado, 7 de outubro.
6:30 O meu telefone ao lado da cama não para de vibrar. Pego o celular, esfrego os olhos e compreendo que está a ocorrer algo anormal. Pulo da cama e ao mesmo tempo que me organizo, envio um SMS para meu irmão Nati que tinha se mudado de Beer Sheva para o kibutz Mefalsim, há um mês, com suas 2 filhas para viver em um ambiente pastoral e calmo. Ele responde: “Estamos no mamad (abrigo de emergência)” e calmo-me..
Ao mesmo tempo que escuto os alertas de foguetes em Beeri, envio SMS para Rinat Segev, nossa amiga querida, moradora de Beeri, que já tinha entrado no mamad com seu cônjuge e seus quatro filhos.
Ela era nosso anjo e salvadora durante o último ano quando cuidou com carinho de nosso filho mais jovem e tornou-se minha amiga de coração e de minha esposa. Nos encontrávamos diariamente, conversamos e trocávamos mensagens.
“O que é isto!!!!” pergunta no WhatsApp. Respondo:”Com certeza mais uma incidente com o Hamas” pois ainda não conhecia a dimensão do que estava acontecendo. Termino rapidamente de me organizar, beijo a Natalie e viajo em velocidade recorde para Sderot.
No caminho continuam as notícias sobre as centenas de foguetes sendo lançados para todos os lugares, lembro da lista de amigos que moram no otef ( perto de Gaza ), passo por Bet Kama e viro à direita em direção de Ruhama, chego no cruzamento de Ibim, viro à esquerda na direção da Universidade de Sapir e chego no cruzamento de Shaar HaNegev. Olho para a direita e vejo um grupo de nossos soldados e um jipe militar interrompendo o tráfego para Yad Mordechai. Decido virar a esquerda em direção de Givim para a minha pequena montanha de onde posso ver o otef.
"Gritos, fumaça. Cogumelos de fogo e principalmente tiros sem fim. Os olhos vêem mas o cérebro recusa-se a acreditar."
O posto de gasolina está vazio. Descarrego meu equipamento do carro, ligo a câmera e começo a transmitir ao vivo. Logo depois começa o caos. Mísseis Kornet e rajadas de metralhadoras são lançados em direção ao cruzamento, onde há pouco passei. Gritos, fumaça. Cogumelos de fogo e principalmente tiros sem fim. Os olhos vêem mas o cérebro recusa-se a acreditar.
Não passa nem um minuto e escuto uma voz atrás de mim a gritar: “Pare!!!, Mãos ao alto!!”. Giro meu corpo e vejo na minha frente combatentes da força especial da polícia, com máscaras nos rostos, apontando-me suas armas. “Jornalista da rede Kan 11” grito gaguejando.Se aproximam e seguram-me pelas ombreiras do colete à prova de balas levando-me para um abrigo dizendo: “Não levante a cabeça pois estamos cercados de terroristas”.
De repente vejo ao meu lado um combatente sangrando, com uma bala no peito, recebendo os primeiros socorros de um colega ao lado de um carro todo perfurado e sem ar nos pneus. Um outro carro parecia em ordem. No rádio escutamos gritos de pedidos para evacuação de feridos e tiros de todos os lados.
Em um certo momento, os combatentes levantam-se e continuam a lutar, e eu permaneço sozinho com o ferido. Dou-lhe a minha mão e converso com ele para que não perca a consciência. Empunho meu revólver, cuja licença possuo,carrego-o, e lentamente entendo a dimensão do evento. Novamente dou uma olhada no WhatsApp e troco mensagens com a Rinat que está em Beeri.”Os terroristas estão aqui, e os escuto falando em árabe do outro lado da porta” . Seu choque e terror provocaram-me calafrios, mas ainda acreditava que em alguns minutos o nosso exército iria chegar e terminar com o incidente da melhor forma possível. Pois temos um exército em prontidão e apto para qualquer eventualidade de infiltração de terroristas e daqui a pouco os aviões estarão no ar, os tanques irão atirar e tudo irá acabar. Sou uma pessoa naturalmente otimista.
Ao mesmo tempo, continuo a conversar com o combatente ferido e cuido para que permaneça acordado. Levanto levemente a cabeça e vejo que o grupo de policiais estava atirando para todos os lados. Escuto gritos no rádio: “Temos feridos, necessitamos de evacuação urgente. Estamos com um carro sem blindagem”. Minha câmera está ainda filmando o cruzamento. O fogo e os tiros ainda são ouvidos. Os minutos passam, perco a sensação do tempo, parece como uma eternidade… Olho novamente no WhatsApp esperando alguma notícia de Beeri dizendo que a situação está sob controle. Ela me escreve que nossas forças ainda não chegaram, e eles estão atirando na casa e tentando entrar. Envio um SMS para o jornal pedindo que transmitam essa informação e de outros que a situação ainda não está sob controle e não temos soldados por lá. Troco SMS também com uma boa amiga, Noemi encontra-se com sua família em uma casa em Kfar Aza, e compreendo que eles também estão na mesma situação.
Depois de longos minutos, o grupo especial da polícia volta, e compreendem que seu ferido não vai conseguir ser evacuado. Eles o colocam na sua van e viajam rapidamente para o hospital.
Estou sozinho, no posto vazio da Elonit, e ao redor os tiros continuam.
"Olho novamente no WhatsApp: “Eles estão queimando nossa casa”, ela grita pelo celular."
O tempo demora como uma eternidade, começo a imaginar que os terroristas logo chegarão até mim. Por sorte, tenho um carregador de balas de reserva do meu revólver. Verifico que tenho no total 24 balas e assim quando chegarem, tentarei atirar de forma controlada e precisa. Olho novamente no WhatsApp: “Eles estão queimando nossa casa”, ela grita pelo celular. Fico em choque, tento verificar nos grupos se existem forças nossas a caminho, se alguém reportou algo.Escuto os tiros e tento identificar um avião, um helicóptero , um drone,mas, nada.
Não sei quanto tempo se passou, e reparo que a intensidade dos tiros diminuiu… Decido que não devo mais ficar ali. Retiro a câmera, jogo rapidamente o equipamento no carro e saio rapidamente do posto de gasolina de Givim, à direita em direção do cruzamento de Shaar HaNegev. Dou uma olhada e esta imagem não me abandona até hoje: Soldados deitados na estrada, carros queimando e terroristas deitados entre os corpos dos soldados. Por um momento, esqueço que estou dentro do evento e não consigo continuar viajando. Retomo o autocontrole e continua em louca viagem em direção ao cruzamento de Ibim e de lá para Bet Kama.
Paro no cruzamento suando frio, minha respiração estava muito acelerada como se estivesse voltando de uma longa corrida. Itzik informa que está embarcando em um voo da Grécia para Israel. Continuo a verificar como estão todos meus amigos na região, tento contatar o Rohi, querido amigo, fotógrafo do site Ynet que mora em Kfar Aza, mas não consigo resposta. Tento falar com Ianiv, outro querido amigo, fotógrafo do jornal Israel Haiom ( antes trabalhava na AP). Também sem sucesso. Volto a ligar para minha amiga de Beeri rezando para que me responda. “Estamos bem”, mas avisa pelas mensagens, como que gritando” Estamos nos sufocando da fumaça no mamad (quarto de segurança), não temos ar”.
PQP, onde está o exército, pergunto furiosamente… Continuo a enviar SMS ́s e ligar para amigos. Neomi me atualiza dizendo que a situação está terrível, eles permanecem no mamad, terroristas atirando para todos os lados. Lembro-me de repente do Micha que mora em Nativ HaAsara, espero que me diga que estão bem… “Uma merda”,respondeu.
Uma sensação de pânico toma conta de mim. Ligo para minha esposa. Peço-lhe para trancar as janelas e preparar o mamad para ela e as crianças. Ela responde: “Estamos longe de lá.” “Vai saber?” respondo-lhe. Notícias vindas de Ofakim e Sderot forçam-me a aceitar o tamanho do evento,mas custa a acreditar. Lembro-me que somente há poucas semanas estávamos a poucos metros da fronteira em Nahal Oz filmando os manifestantes do lado de Gaza. Lembro-me de ter recebido uma imagem nossa que foi tirada do outro lado da fronteira. Demos boas risadas… Lembro-me também que há poucos dias eles soltaram foguetes em direção a fronteira perto de Nativ HaAsara. Foi apenas um exercício, disseram-me. Hamas está no controle e não tem interesse que a situação se complique, apenas em continuar recebendo dinheiro. Se deixarmos que continuem a enviar alguns milhares de trabalhadores para trabalhar em Israel, tudo permanecerá em paz.
“Fugimos do mamad, estávamos a sufocar. Não podíamos mais”. Ela escreveu-me de Beeri. “E nosso exército pergunta novamente? Não vi nenhum soldado nosso, somente terroristas”, ela grita. Tento acalmá-la, ao mesmo tempo que minto pra ela, e para mim, dizendo:”Eles estão chegando”
Itzik avisa-me que aterrissou e está a caminho para me encontrar no cruzamento de Gilat.” Houve uma invasão de terroristas também em Netivot com muitos mortos”. Escuto as notícias de Sderot. Envio SMS para Roni e Iko que fazem parte do grupo 12 no Sul, meus colegas, amigos e vizinhos.”Entramos em Sderot, imagens duras, estamos escondidos em uma casa”.
O desespero toma conta de mim, justo eu, o eterno otimista.
14:46 Ela me envia um selfie dos arbustos ao lado de sua casa que está queimando, as crianças ao seu lado, olha-me pela câmera, seus olhos estão apagados, vejo um olhar de desespero e medo.
Recuso-me a acreditar que isso vai terminar assim. Grito no carro em desespero.
Nati, meu irmão, avisa que todos entraram no carro e estão fugindo de Mefalsim para seus pais em Meitar. Recordo das imagens que vi no cruzamento de Shaar HaNegev por onde devem passar.Lembro-me com dor dos horrores que vivenciei e rezo para que vejam imagens menos fortes… Depois vou saber que ele viu imagens muito piores ainda.
Continuo trocando mensagens com os amigos em Kfar Aza, Nahal Oz, Nativ HaAsara. Rohi e Yaniv ainda não respondem. De noite irei receber a triste notícia que foram mortos junto com suas famílias.
“669 Aqui” Rinat me comunica por SMS, com entusiasmo parcial e a beira do desespero. Saio do precipício e volta ao otimismo por um segundo. Respondo “Ótimo, boas notícias”, e quando o sinal azul do WhatsApp aparece, me tranquilizo… Não tiro os olhos do celular.
15:00 “Envie um sinal de vez em quando”
15:01 Envio um
15:17 Envio
15:24 Me responda
15:32 Espero que tenham sido evacuados
15:45
Iria demorar ainda algumas horas até que recebesse a notícia de sua irmã(Rinat) … Os terroristas a mataram junto com sua família.
Não consegui recuperar-me ainda, meu coração não dá descanso. Minha frustração e raiva de não ter podido ajudá-la, a raiva do exército,do país, do mundo, de todos…
N.B. Ontem, a Nataly encontrou imagens das tatuagens que Rinat fez em sua mão, como se soubesse o que iria acontecer… As tatuagens contam quem a Rinat era…
Meu cérebro compreende, e o coração recusa. Está estilhaçado em pedaços.
Rinat's tattoos: "Breathing is enough"
In the memory of Rinat Segev-Even RIP.
Erez C.