23:00, estava com meus amigos Zehavi e Ofirli no Drama Club, que é um bar em Tel Aviv, esperando pelo Digmi para que celebremos meu aniversário com uns shots. Fico pensando, vamos beber e ir dormir.
00:00 Eu e Digmi fomos para outro bar para celebrar o aniversário de Adi Mizrahi, e de lá com certeza irei dormir… Mas, o Adi e o Digmi são uma dupla perigosa como dizem em nosso bairro.
Durante todo o tempo fico em contato com Lotan, por mensagens, para irmos para o festival Nova. Estou muito cansado e sem forças, mas Lotan animado e calmamente diz: “Venha meu irmão, eu quero comemorar seu aniversário pra valer, vamos nos divertir como apenas nós sabemos”. Então? Lotan convenceu-me na hora, não posso recusar esta grande alegria e felicidade de viver que ele tem.
4:20 do sábado de manhã, chego ao festival Nova e mando para Lotan minha localização, ele chega depois de cinco minutos. Logo que o vejo, corremos como um casal de doidos como se não nos tivéssemos encontrado por uma semana. Todos em volta nos olham como se dizendo “ o que esses dois têm?”. Depois de nos abraçarmos e nos beijarmos, Lotan diz: “Venha Atar para nossa barraca, quero que conheça todos meus amigos, eles vão te amar, quero que fiquemos todos juntos”. Corremos com uma excitação contagiante e Lotan apresenta-me a todos, um a um, sem esquecer de ninguém.
(Eu e Lotan)
5:40 Voltamos juntos para o palco central e dançamos como doidos rindo um com o outro sem parar. 6:15 Eu e Lotan voltamos para o espaço chamado Dark. Apresento-o para todos os meus amigos, como se estivessemos nos casando, cada um apresentando ao outro seus amigos.
6:35 Lotan diz-me : “Atar, vou pegar umas bebidas e depois encontramo-nos no espaço central. O nascer do sol está começando, e quero que aproveitemos este momento”. Justamente quando ele saiu, a música parou. Perguntei para o meu amigo Marco: “O que está acontecendo? O que ocorre com o sistema de som?” Deste momento, as coisas apenas pioraram.
6:50 Pelos alto falantes, pediram que abandonássemos o lugar e anunciaram que o evento acabou. Neste momento percebi que havia um grande número de foguetes vindo em nossa direção, algo que nunca tinha visto antes. Todos estavam confusos procurando um abrigo embaixo dos palcos e em qualquer lugar possível.
Neste momento , vejo Neumann e Maya passando pela nossa barraca, e pergunto para a Rotem se eles querem uma carona de volta para Tel Aviv. Ela responde com um sorriso que elas estão bem e estão de carro. Pergunto novamente:”Você tem certeza?” Ela responde: “Sim, tudo está bem”. Corremos na direção dos carros.
Mas, um grande congestionamento já tinha se formado na estrada do kibutz Reim para o kibbutz Beeri ( direção norte para Tel Aviv). Dirigi pelos campos conseguindo escapar ao trânsito e chegar até à estrada. Começamos a viajar na estrada na direção norte. 100 metros antes da placa para o kibutz Beeri, vejo que centenas de carros estão fazendo o retorno de forma histérica, dirigindo no sentido contrário do tráfego pelo acostamento não asfaltado. Alguns carros tombam e as pessoas gritam para que escapemos, pois tem terroristas na entrada para Beeri.
"Este foi o último momento que vi todos os meus amigos, alguns foram encontrados mortos, outros desaparecidos ou sequestrados no cativeiro do Hamas. "
Viro o carro rapidamente e cuidadosamente, ao mesmo tempo que reparo em uma van branca com dezenas de terroristas armados do Hamas atirando em todos que passavam por perto Eu conduzo, como um doido, de volta na direção sul. Passo pela entrada do festival, e apenas a algumas centenas de metros adiante deparamos com a mesma história. Carros retornando em nossa direção gritando que os terroristas estão em toda parte. Compreendo então que estamos encurralados de todas as direções, cercados por carros de pessoas tentando fugir. Jogo o carro do lado da vala. Corro em direção aos guardas do festival e pergunto:”O que está acontecendo? O que devo fazer?”. Os pobres policiais indefesos nos disseram: “Corram em direção ao sol (leste)”. Este foi o último momento que vi todos os meus amigos, alguns foram encontrados mortos, outros desaparecidos ou sequestrados no cativeiro do Hamas.
Neste momento gritei a todos para correrem atrás de mim pois conheço o terreno por ter servido aqui no exército. Comecei a direcionar os carros para os campos para que se salvem e fujam o mais rápido possível. Perdi o contato com meus amigos Marco e Rami e comecei a correr rapidamente para os campos e entrei num esgoto para me esconder. Pensei que tinha lá ficado horas, mas, agora percebo que apenas se passaram alguns minutos, que pareceram uma eternidade.
Em algum momento decidi sair do esgoto, e corro para procurá-los. Para minha sorte, encontrei-os na mesma estrada e juntos corremos para o carro de alguém da festa que não conhecia. Nos apertamos junto com outro casal que estivera, como nós nos campos, e que também desconhecemos anteriormente. Percebemos então as vans do Hamas vindo em nossa direção atirando para todos os lados, jogando foguetes e retirando corpos de pessoas como se estivessem brincando de um jogo de policia e ladrão, ou algo similar.
Ben, que estava dirigindo, salvou nossas vidas. Ele dirigiu até a estrada paralela, àquela da qual tínhamos antes fugido, nos levando para uma área aberta perto do festival. De lá, nos dirigimos rapidamente para o norte, e após alguns minutos encontramos forças israelenses que levantando seus braços nos gritaram para voltar. Informaram que tinha acabado de ocorrer um incidente no cruzamento. Entendemos imediatamente a extensão e a gravidade da situação.
Bem virou o carro no meio da estrada para Netivot, e nos dirigimos para um bairro antigo da cidade. Alguém pensou que fossemos terroristas e nos apontou sua arma, e apenas no último segundo gritamos que somos judeus e assim ele desistiu.
Andamos pelas ruas de Netivot, onde todos usavam um kipá, parecendo não saber da real situação, pensando que era apenas um ataque de foguetes. Corremos histericamente, retirando pessoas das sinagogas, gritando por todo o bairro que os terroristas estavam atacando cada canto do Sul.
Tentamos entrar em casas, mas ninguém abriu a porta, pensando que fossem terroristas. Encontramos um centro comunitário abandonado. Tentamos passar pela cerca mas não conseguimos. Vimos então uma abertura pela qual passamos sem pensar duas vezes Entramos em um pequeno quarto, que não era um anti térreo , mas tinha uma porta de metal, que pensamos que nos protegeria de tiros ou de um arrombamento de terroristas.
Passamos lá três horas em um pesadelo interminável, sem luz, apenas sussurrando um com o outro com medo, e foguetes caindo ao lado. Falo com meu pai que está em uma delegacia de polícia no norte, e explico-lhe a gravidade da situação e onde estamos escondidos. Nesta hora, vemos e escutamos por uma fresta na porta uma unidade do Hamas atirando pelas ruas e jogando foguetes em casas sem cessar, por horas, a apenas alguns metros de nós.
"Corremos em pânico ao bunker(anti térreo) e nos fechamos nele por uma hora."
Depois de um certo tempo, entendemos que não havia mais terroristas por perto, e que apenas caiam foguetes do céu, então saímos para fora para respirar. Vejo pela janela de trás do centro comunitário que um homem religioso está rezando do lado de fora, sem saber o que estava acontecendo. Tomando coragem, sem saber de onde esta vinha, corremos em sua direção e explicamos a ele o que estava acontecendo. Ele nos levou a um anti térreo que se encontrava a duzentos metros de distância. Corremos em pânico ao bunker(anti térreo) e nos fechamos nele por uma hora. Até que as forças de segurança de Netivot chegaram para nos resgatar e levar para o centro de controle de Netivot e isto aconteceu às 18:30 da tarde.
Chegamos lá e entendemos o que tinha acontecido. Começamos a desmoronar quando entendemos que nossos amigos não estavam mais conosco. Não tínhamos certeza se haviam sido sequestrados, mortos, se fugiram, ou se, como nós, teriam conseguido.
Quando escureceu, (e tinha perdido a noção do tempo), fiquei a saber de uma amiga que estava noutra casa em Netivot. Seu pai estava a caminho do norte para resgatá-la, e fui com outra pessoa do centro de operações a seu encontro. No caminho, vi o apocalipse em nosso redor. Cenas horrorosas, aterrorizados iríamos encontrar outros terroristas e estória iria terminar.
Finalmente cheguei na casa de meus pais por volta da 1:30 da manhã e desmoronei, ainda incapaz de processar a extensão da tragédia que tinha vivenciado. Durante todo o dia, enquanto corria de um esconderijo para outro, tentava chamar a Lotan, bravo comigo mesmo porque ele estivera comigo lá na estrada, e agora não conseguia chamar seu telefone.
Estou contando minha estória para que o mundo entenda a gravidade do que ocorreu naquele dia. É importante para mim que as famílias que perderam seus entes queridos, saibam que seus filhos, que não estão mais conosco, lutaram até o fim, sem desistir, apesar da impotência ante a situação que nos apanha desprevenidos
Na noite passada fui até o cemitério de Tel Mond, e não pude tirar a imagem de todos nós, nossos amigos, de minha cabeça. Juntos na estrada de saída do festival, e depois daqueles malditos minutos quando corríamos para todos os lugares vendo as vans dos terroristas vindo em nossa direção, massacrando todos que podiam alcançar.
"Eu te amo meu irmão, você vai estar em meu coração para sempre, e comigo para onde for."
“Obrigado por me fazer sorrir, rir, dançar como se não houvesse amanhã. Literalmente. Não é muito louco?”
Fui até o cemitério para prestar meus respeitos finais para Rotem Neumann, que repouse em paz. Eu a vi na saída do festival, sorrindo para mim e dizendo: “Tudo está bem, provavelmente vai acabar logo…”
Neste momento entendi que minha amiga, que tanto gostaria que voltasse viva, partiu para sempre.
Lotan, meu amigo, meu irmão, eu te encontrei muito tarde na vida. Como pude te perder? Nos conhecemos por tão pouco tempo, como pudemos ficar tão próximos? Meu irmão, você se lembra como pulamos e nos abraçamos quando nos encontramos na festa? Como você me levou pela mão até a borda da pista perto do artista que estava tocando e disse: “ Atar, agora nós PULAMOS, como doidos”! Meu irmão, como juntamos nossas cabeças, colando nossas sobrancelhas, algumas horas antes no festival e dissemos: “Como pode ser? Somos iguais! Que incrível poder ter um ao outro! Eu te amo meu amigo”. Não consigo processar isto, não posso conter essa tristeza.
Obrigado por me fazer sorrir, gargalhar, dançar como se não houvesse amanhã. Literalmente, não é uma loucura?
Eu te amo meu irmão, você vai estar em meu coração para sempre, e comigo para onde for.
Nativ A.
À memoria de Lotan Abir, RIP.