Tudo começou como a melhor festa a que já fomos; gente linda e boa música, tudo em harmonia com as pessoas ao nosso redor.
Às 6:30 da manhã a música parou abruptamente e as pessoas levantaram a cabeça; vimos nuvens de fumo de mísseis interceptados e de mísseis que caíram nas proximidades. Naquele momento não era perceptível a magnitude do desastre e imediatamente contei aos meus amigos que me sentia como se estivesse num grupo de batalha em Gaza, já que havia passado por um acontecimento como esse durante o meu serviço militar.
Disse aos meus amigos para voltarem para a área coberta, levarem apenas as coisas importantes, voltarem para o carro, conduzirem até ao cruzamento mais próximo e entrarem num abrigo antiaéreo. Em retrospectiva, essa foi a pior ideia que poderia ter sugerido naquele momento. Para minha sorte, não foi o que fizemos.
“Depois de alguns minutos, apercebemo-nos de que eram grupos de terroristas que estavam disparando sem parar.”
Começámos a sair do estacionamento, mas havia um enorme engarrafamento. Por fim, conseguimos chegar à estrada e virámos à esquerda, para Norte, em direção a Be’eri. Ao fim de algumas centenas de metros, as pessoas começaram a fazer meia volta passando da linha central branca da estrada e a gritar da janela para todos virarem. Após alguns minutos, apercebemos-nos de que eram grupos de terroristas que estavam disparando sem parar.
“Não estávamos entendendo por que motivo as pessoas não avançavam. Deduzimos então que, muito provavelmente, já havia corpos na estrada (...)”
Chegámos ao engarrafamento na beira do estacionamento; estava um caos fora do normal. Passámos por um carro da polícia e uma ambulância. Pela janela, ouvi-os gritar: “Temos um IMV! Temos um IMV e um “cavaleiro turco”. IMV significa “incidente com múltiplas vítimas" e “cavaleiro turco” é um código para “infiltração de terroristas”.
Entretanto, uma rapariga e um rapaz, ambos com ferimentos de bala nas pernas, chegaram à ambulância. Naquele momento, estavam tornando-se mais próximos os tiros vindos do Sul e não estávamos entendendo por que motivo as pessoas não avançavam. Deduzimos então que, muito provavelmente, já havia corpos na estrada devido aos disparos dos terroristas.
Decidimos então que tínhamos de abandonar o carro. Começámos a correr para os campos. A cada poucos minutos, parávamos num matagal para decidir o que fazer e, por fim, continuávamos correndo. Num momento como este, não param de passar coisas pela cabeça. Fomos correndo pelos campos com outras pessoas - estamos a falar de centenas delas - e durante uma das corridas, vimos um carro com um agente policial ferido por uma bala na perna. Ele saiu do carro, deixou uma garota entrar e continuou correndo a pé.
Cada corrida durava algumas centenas de metros e sempre que chegávamos a uma determinada área, eram disparadas rajadas de tiros na nossa direção. Corremos a pé por cerca de duas horas e a única coisa que passou pela minha cabeça foi não olhar para trás, independentemente do que acontecesse, simplesmente com o sentimento de não querer ver os horrores e as pessoas caindo ao meu lado. A parte esquerda do meu cérebro estava otimista: “Tudo ficará bem”, mas a outra dizia-me: “Estão a cercar-nos de todas as direções e isto é o fim”. As rajadas de tiros aproximavam-se e parecia que era o fim - mas continuámos correndo.
Durante a última corrida desenfreada, a qual durou cerca de dois minutos, sentimos rajadas de tiros sobrevoando-nos. Mas graças a Deus, fui soldado do exército e sabia que nessas situações é preciso correr para dentro de um riacho ou para matagais, e foi efetivamente nesse sentido que orientei os meus amigos durante a corrida. Dizer se foi isso que nos salvou ou não, provavelmente nunca saberei…
“Se tivesse olhado para trás, tenho certeza de que teria visto horrores.”
Chegámos a uma colina complicada com um terreno agrícola. Lembro-me de que nesse momento as rajadas de tiros já nos haviam alcançado; se tivesse olhado para trás, tenho a certeza de que teria visto horrores… Chegando ao topo do terreno agrícola, vimos muitos carros pertencentes a pessoas do festival que conseguiram escapar da estrada para o campo. Gritei para os meus amigos entrarem no primeiro carro que vissem, para que pudéssemos escapar. Tentei entrar num dos carros, mas estava trancado. Bati na janela para que abrissem o carro.
Numa situação destas, em que as rajadas de tiros estão tão próximas, uma bala assim que atinge perto de nós, soa como [o estalar de] nós dos dedos. E foi assim que soaram.
Eles abriram-nos a porta, saltámos para dentro e escapámos. Após alguns minutos, deixámos de ouvir os tiros. Abri o Google Maps e verifiquei que estávamos afastando-nos da fronteira entre Israel e Gaza e prestes a chegar à Estrada 232, a qual viria a estar mais tarde coberta por centenas de corpos e carros queimados. Passámos por lá um pouco antes disso e a partir daí chegámos ao Kibutz Tze'elim. Graças a Deus e aos milagres que nos mantiveram vivos, estamos bem.
É importante para mim honrar a memória da minha boa amiga, Dorin Attias. Que descanse em paz. Dizer “que descanse em paz” a seguir ao seu nome parece algo absurdo, como um sonho estranho. O último telefonema da Dorin foi para mim, mas não pude atender porque estava correndo para salvar minha vida. Eu te amo e sinto a sua falta. Nunca te esquecerei; Você estará sempre comigo.
Yaniv M.