Sim, essa sou eu, a de chapéu.
Eu pensei muito em se escreveria alguma coisa. Não dá para explicar a dor, meu coração está destruído, a minha vida nunca mais vai ser a mesma, sem tantas pessoas que eu amo e que já não estão comigo. Vou começar dizendo que estou "bem". Meu coração voltará a estar completo quando meus amigos voltarem, e a pergunta principal é :"Onde eles estão?" já vai ser respondida.
Minha história começa no nascer do sol, quando minha amiga me carregou em seus ombros e de repente começamos a ver mísseis. Pararam a música e disseram:: "Amigos, não é brincadeira e não é um sonho, está soando - alerta vermelho-, deitem no chão".Lembro-me que nesse momento ainda pensamos entre nós - tá tudo bem, a música ainda vai voltar.
Pensei que eu era uma heroína e fomos para as barracas guardar todas as nossas coisas. Aos poucos o quadro fica mais claro e entendemos que cai uma chuva de bombas sobre nós e temos que fugir. Eu tive um ataque de pânico a caminho para o carro, meus joelhos tremiam, o corpo travou e não conseguia respirar. Meus amigos estavam do meu lado o tempo todo e graças a eles voltei à realidade.
"Eu tive um ataque de pânico a caminho para o carro, meus joelhos tremiam, o corpo travou e não conseguia respirar."
Nesse momento estamos recebendo relatos de que há terroristas fora da festa e que aqueles que tentam sair são baleados do lado de fora. As pessoas começaram a correr, os carros continuaram andando e ninguém entendeu corretamente o que estava a acontecer.A polícia diz que o lugar está cercado por terroristas e pelo exército e é melhor não sair.
Escutamos tiros, mas estamos ainda no sonho, esperando que fosse o exército, ainda não entendemos o que estava a acontecer lá fora.
Nós voltamos à área da festa.Levaram-me à área onde estava a força que fazia a segurança do evento. Neste, falei com uma mulher chamada Yamit, da guarda de fronteira, que me prometeu que tudo ia ficar bem.Ligo para minha mãe dizendo que a amo e que não sei se vou sair dessa viva. Depois de alguns minutos ouvimos gritos de que os terroristas penetraram dentro,gritos de feridos de bala, pessoas caindo por todos os lados. O pesadelo começou.
"Ligo para minha mãe dizendo que a amo e que não sei se vou sair dessa viva."
Comecei a ver as balas, escutá-las a atingir pessoas ao meu redor, por todos os lados e o tempo todo. Era um jogo de esconde-esconde entre nós e os terroristas. Eles criaram um engarrafamento e atiraram de todos os lados. Nós não conseguíamos vê-los e não dava para entender de onde as balas estavam chegando, só víamos os corpos caindo. É impossível explicar em palavras o medo, o desespero, a percepção de que minha vida terminou.
A minha maior frustração foi ver os "trabalhadores de limpeza" com coletes amarelos continuando a limpar a festa.Andavam entre nós, como se estivessem indo para o supermercado, e creio que eles já sabiam o que ia acontecer.
No começo, nos escondemos no lugar das barracas. Tentamos pensar por onde podíamos fugir e corremos em direção ao carro. Estávamos no carro eu, Kate, Lina e um jovem que pediu para ir conosco porque não tinha como sair de lá. Começamos a viagem e procuramos outros carros. Éramos uns dos últimos que ficaram no estacionamento, em retrospectiva entenderíamos o porquê. Avançamos colados a um carro preto que nos direcionou a um esquadrão de terroristas que estavam em quadriciclos. Kate conseguiu dar meia volta enquanto atiravam explosivos em nossa direção..
"Vimos os corpos nos veículos , os corpos pela estrada e não tínhamos alternativa senão passar por cima deles e continuar tentando salvar nossas vidas."
Depois de conseguirmos entrar em outro caminho, começaram a atirar em nós pela janela e por todas as direções.Nosso objetivo geral era chegar a uma rodovia viramos à direita no cruzamento e conseguimos sair em direção à estrada 232 que era a saída da festa. Lá os terroristas atacaram-nos com rifles FN MAG. Vimos os corpos nos veículos , os corpos pela estrada e não tínhamos alternativa senão passar por cima deles e continuar tentando salvar nossas vidas.
Adiante, vimos que terroristas bloquearam a passagem então Kate quebrou para a direita e saímos da estrada. Quase capotamos duas vezes, mas graças à direção de Kate nos salvamos.
Entendemos que o carro estava meio destruído, mas nós ainda estamos vivos e nenhuma bala nos atingiu. Saímos do carro e escondemos-nos em um arbusto de espinhos durante 7 horas, com apenas meia garrafa de água. Durante 7 horas escutamos os tiros e vimos as balas atingindo a areia, as bombas. Durante 7 horas estávamos em um campo de guerra, estávamos entre Beeri e Re'im.
Ligamos para a polícia, para toda força de resgate existente e desligaram na nossa cara. Ninguém veio nos resgatar, ninguém nos escutou.Mais tarde explicaram que o serviço de segurança sabia a nossa localização, mas que estávamos cercados por terroristas,desse modo não tinham como se aproximar.
"Depois de 4 horas e meia árabes nos encontraram, estavam armados e o jovem que estava conosco imediatamente se levantou para que não nos vissem a nós."
Depois de 4 horas e meia árabes nos encontraram, estavam armados e o jovem que estava conosco imediatamente se levantou para que não nos vissem a nós.. Falou com eles em árabe e pediram-lhe a água e nossos cigarros, e simplesmente foram embora..Faz 7 horas que estamos deitados.Após 2 minutos, ouvimos o carro ligar e ir embora - eles o roubaram.
Depois de 7 horas deitados, desidratados, apavorado, orando a Deus para que alguém viesse a Kate recebeu uma ligação de um homem chamado Elad Lauper
Peguei o telefone chorando e implorei, nunca implorei assim na minha vida, para que ele viesse e disse-me para ficarmos onde estávamos que ele estava a caminho. Elad, e mais um homem, que não sei o nome, nos tiraram de lá, enquanto toda a área estava cheia de terroristas. Ele deu-nos água e falou para abaixarmos a cabeça até chegarmos, não olhar para fora para não ver os corpos.
Deixaram-nos em uma área central onde nos levaram de ônibus até Beer Sheva e lá meu pai estava esperando.
E aqui termina minha história.
Rotem Y.