Estou sentado no meu apartamento em Tel Aviv e penso no que escrever, se escrever, e não sei o que fazer.
Essa é a primeira vez,desde o evento, em que eu estou sozinho, só comigo mesmo, não rodeado por amigos e família. Os últimos dias colocaram-me frente a um espelho, em como a vida é frágil, temporária.Quanto amor e apoio me cercam sem parar.. Agradeço por isso o tempo todo..
Decidi compartilhar minha história por mim e para todos que a lerem.
Sexta feira viajei até Netanya, para um restaurante, para comemorar o aniversário do meu pai, que, ironicamente, nasceu no dia em que começou a Guerra de Yom Kippur. De lá vou, à noite, buscar o Ron, em Tel Aviv, depois em Rehovot buscar Yuval, e de lá seguimos para a festa, A festa.
O caminho foi tranquilo, fomos no meu Nissan Tiida 2009 que ganhei de presente e era o veículo oficial de festivais do meu grupo. Fomos ao local que recebemos por sms pelos organizadores do evento (Quando o local da rave é revelado com antecedência a emoção é muito menor). A festa é perto da fronteira com Gaza,lembro-me que dois anos atrás fui para outra rave, lá na mesma área, e não pensei que houvesse algum problema com o local.
Eu e Yuval estávamos esperando por essa festa há muito tempo, Yuval depois de uma época cansativa, numa campanha de eleições, e eu simplesmente queria me divertir depois de um longo período sem festas. Durante a viagem Ron falou que ele tinha comprado o ingresso de alguém.Falou com alguém por mensagem, pagou pelo Bit (Pix) e recebeu o ingresso por mensagem. Todos os posts da festa nos últimos dias deixaram claro que não era permitida transferência de ingressos, e que pessoas com ingressos que não tinham o seu número de identidade não entrariam na festa.
Quando chegamos lá estava nervoso por causa disso, mas Ron entrou na festa sem nenhum problema.Lembro que entramos na festa e ainda não sabíamos exatamente o que esperar (era uma festa enorme num feriado, nós geralmente íamos a festas menores). Chegamos no palco principal onde havia um atraso muito grande, foi estranho, mas tinha um segundo palco e fomos para lá sentir um pouco a energia.
Lembro que fiquei impressionado, muitas pessoas bonitas, e principalmente uma boa energia de pessoas que vieram se divertir exatamente como nós. 6:00 da manhã foi o nascer do sol, o tiro de partida dessas festas, toda a diversão começa com a luz do sol.
De repente, escutamos barulhos e explosões, e, depois de alguns segundos desligaram a música e informaram que a festa estava cancelada.
Eu e Yuval nos deitamos no chão do lado da tenda de Ofek, um amigo querido que serviu comigo no exército, que estava nos ajudando já que viemos despreparados e sem muito equipamentos para acampar..Depois de dezenas de mísseis, entendemos que era melhor nos afastarmos, decidimos pegar as poucas coisas que havíamos trazido, ir para o carro e tentar encontrar um lugar protegido.
"Eu nunca esquecerei esses últimos momentos de ingenuidade. "
As saídas de emergência do local foram abertas e as pessoas começaram a sair em pânico enquanto procurávamos o carro. Eu nunca esquecerei esses últimos momentos de ingenuidade. Dirijo por uma estrada de terra com muitos outros carros. Eu nunca esquecerei a estrada 232. Essa era a estrada da saída da festa, virando para direita na direção sul e virando para esquerda na direção norte. Os policiais que estavam fazendo a segurança da festa, por algum motivo, nos direcionaram para a direita - ou seja, para o sul. Não perguntamos nada, fizemos o que nos foi dito.
Seguimos na direção sul, Yuval do meu lado e Ron atrás dele. As explosões não param, grito para eles ligarem para a polícia para que nos deem instruções, para onde ir ou o que fazer, mas não nos atendem. Depois de aproximadamente 10 minutos de viagem já não vemos mais quase nenhum carro na estrada e decidimos dar meia volta. Viajamos na direção norte e de repente vemos uma viatura de polícia, um carro branco normal mas com placa de polícia, ele pára bruscamente e nos faz sinal para pararmos. Abrimos a janela e ele gritou: "Terroristas!".
"Eu e Yuval abaixamos a cabeça e escuto o Ron falar calmamente atrás de mim: "Irmão, atiraram em mim, estou morto"
A sensação de adrenalina é inexplicável, eu me sinto em perigo verdadeiro pela primeira vez na minha vida. Um segundo depois do grito do policial,vemos, no horizonte, um exército de preto que praticamente simboliza "nós somos o inimigo". Novamente dei meia volta, tentei transparecer calma para meus amigos apesar de estar explodindo por dentro, e segui o mais rápido possível no meu Nissan Tiida 2009 - o carro que nunca me decepcionou.
Depois de um ou dois minutos - não sei exatamente - vejo algo no horizonte, à direita da estrada, mais pessoas de preto. E então caos, rajadas de tiro em direção ao carro, barulhos muito altos de tiros e explosões. Eu e Yuval abaixamos a cabeça e escuto o Ron falar calmamente atrás de mim: "Irmão, atiraram em mim, estou morto". Por um momento pensei em atropelá-los mas o carro havia perdido velocidade em questão de segundos, o acelerador não funciona, o freio não funciona. Morte. Naquele momento senti a morte. Como em jogos de computador quando você vira no lugar errado e você morre, e logo em seguida abre a janela de tentar novamente,
Além de receber a morte, senti que isso não tinha lógica, a minha história não termina assim, eu ainda tenho muitos planos. Não sei o que deu em mim, engatei o carro em 'park', puxei o freio de mão e o carro derrapou para a direita. Tirei o cinto, peguei meu telefone e abri a porta do carro. Essa corrida eu nunca vou esquecer. Uma corrida completamente instintiva, esperando pela bala que vai acabar comigo. Corro e Yuval corre atrás de mim, grito desesperadamente por Yuval, mas em algum momento ele já não corre mais atrás de mim. Yuval morreu, e Ron também morreu.
"grito desesperadamente por Yuval, mas em algum momento ele já não corre mais atrás de mim. Yuval morreu, e Ron também morreu."
Tento ligar para a polícia enquanto corro e, de repente,atendem, tudo o que eu consigo fazer é berrar: "Terroristas estão atirando em nós, eu estava na festa no sul, já não sei mais onde estou". De repente vejo pessoas, eram tailandeses que trabalham no campo, tentei explicar para eles o que estava acontecendo, mas rapidamente desisti. E então a salvação - Moshav (cidade pequena) Yesha.
Vejo casas e começo a gritar por ajuda, bato na porta de uma senhora e grito que tem terroristas armados e ela bate a porta na minha cara.Vou para a casa ao lado e lá deixam-me entrar. De lá liguei para minha mãe, que achou que eu estava ligando para ver como eles estavam em Rehovot, mas as palavras que saem da minha boca são: "Mãe, terroristas atiraram em nós, Ron e Yuval estão mortos".Olho o grupo de WhatsApp do meu grupo de amigos e Yuval manda mensagens, graças a Deus, ele estava em um lugar seguro, numa casa a 100 metros de mim.
As próximas horas foram uma mistura de pânico, incerteza e surrealismo. Nenhuma atualização do exército, nenhuma atualização da polícia, e o pai da família que me abrigou não levanta a cabeça do celular, acompanhando o grupo do Moshav. Depois de 27 horas no Moshav Yesha, o lugar onde eu e Yuval nascemos pela segunda vez, chega um carro para nos resgatar e o tio do Yuval nos encontra e leva de volta ao centro do país.
Os últimos dias foram os dias mais difíceis da minha vida, os abraços e o amor ininterrupto que estamos recebendo nos dão força para seguir em frente. A vida oficialmente recomeçou, foi um choque completo.
Gostaria de dizer a todos, esse desastre é parte de todos nós, todos nós fomos feridos, tomamos um grande golpe mas nós sempre vencemos, disso não há dúvida. Nós sobreviveremos uns pelos outros.
Ron, meu amigo amado, mesmo que tenhamos começado como amigos de trabalho, nossa conexão era excepcional. Nós dois gostávamos de falar sobre nossos sentimentos e fantasiar sobre o futuro.Lembro de estarmos planejando dominar Tel Aviv como solteiros,mesmo que no final eu sempre te convencia a desistir de ir pra Drama (boate em Tel Aviv).. e,em vez disso ficar de boa no seu apartamento. (Sinto muito, eu nunca consegui me divertir de verdade em boates). Eu sempre lembrarei de você e das duas últimas palavras, que como você, foram calmas e racionais. Prometo que você sempre estará no meu coração, ainda falo com você e acredito que ainda me responde.
Yuval, meu herói, minha âncora, a pessoa com quem eu eternamente compartilharei essa experiência. Nós passamos por isso, mas isso foi apenas o começo. Nós estamos juntos para sempre, nós somos fortes e passamos e passaremos por isso tudo juntos.
A vida continua, isso é o fato mais feliz e ao mesmo tempo mais triste de tudo isso. Nada acontece sem motivo, e nós já vemos significado nessa nossa nova vida. Somente juntos venceremos, Am Yisrael Chai, o povo de Israel vive e para sempre continuará a viver.
Tamir L.
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