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Testemunhos de sobreviventes

Leia a seguir

Caos. Foguetes sobre nós. Histeria. Medo. Explosões. Gritos

  • Yonit K.'s story

Estávamos como ovelhas em uma jaula, procurando um furo na cerca para que possamos fugir

5:00 manhã.

Eu e Tamar estamos deitados no pufe no espaço “Boas Pessoas”. Nós duas descansamos um pouco antes de voltarmos à pista ( de dança).

A Tamar pergunta: “Vamos fazer yoga às 7:30?”

Respondi: “Minha querida, até as 7:30 vamos fazer tantas coisas, que não sei se teremos força para a yoga”. Rimos pois sabíamos de tudo que íamos passar na pista nas duas próximas horas.


Às 6:30 a festa já tinha passado por vários picos de música do tipo que o corpo mexe-se sozinho, e você não pode pará-lo.

O nascer do sol já tinha passado, e esperávamos pelo próximo pico, ele sempre chega ao nascer do sol.

Finalmente, nós cinco nos juntamos perto da pista, e nos abraçamos por muito tempo.

Tamri com Yaeli, eu com Nataly, e me parece que também houve um abraço sanduíche com Ifati no meio.

Antes que o sol subisse, fui com a Nataly e Yaeli buscar os óculos de sol, pois fico ofuscada facilmente, necessito dos óculos.


"Levantamos a cabeça e não acreditamos… São foguetes? Fogos de artifício?"

Nos despedimos das meninas na pista. Depois de uma caminhada de um minuto para a área do camping escutamos estouros sobre a festa.

Levantamos a cabeça e não acreditamos… São foguetes? Fogos de artifício?

Este festival foi muito bem produzido, mas não acredito que investiram em fogos de artifício! De qualquer forma, você está na fronteira de Gaza, e isto acontece de vez em quando. Logo vai acabar, e vamos voltar para a pista de dança.


Mas, a música então parou e os alto-falantes anunciaram: “Deitem no chão e cubram a cabeça com as mãos”.

Disse para a Nataly e Yaeli: “ Estou preocupada com as garotas na pista”.

“Eu vou buscá-las”, disse a Nataly sem hesitação.

Achamo-las , e as levamos pela mão enquanto os estouros continuavam sobre nossas cabeças. Nos assustávamos com cada estouro.

Recolhemos nossas coisas em menos de 3 minutos. Sob um controle assustado, quase sem palavras.

Um segurança apareceu no meio da multidão que estava empacotando suas coisas, e gritou: “Peguem apenas o mínimo necessário e saiam daqui”.


Nós cinco saímos com nossas coisas em direção dos carros. Abrimos a cerca traseira e achamos em dois minutos nosso carro. Fora os cuidados que tomávamos, senti-me bastante calma nessa hora. São apenas foguetes, e eu os vejo, tão longe.

Entraremos no carro e viajaremos”, eu pensei. Estava desanimada pensando: “Puxa, mas a festa estava tão boa”. Ainda me recusando a acreditar.

Entramos no que parecia ser o primeiro comboio que saiu do local.


Um outro casal de amigos avisou pelo WhatsApp que eles vão permanecer no lugar até que diminua o número de pessoas na saída. Decisão que se provou trágica.

Chegamos na estrada, onde os seguranças do evento nos indicaram para virar a direita, para o sul. Depois soubemos que nos mandaram para a direita para que não atravessassemos a linha contínua na estrada. Pensei que estavam nos levando para um lugar seguro. Devemos acreditar nisso? Realmente se preocuram em seguir as regras de trânsito em uma hora dessa?


Viajamos na estrada junto com outras centenas de carros, e viajamos em fila por alguns quilômetros até que o comboio parou, quando vimos que todos os carros estavam retornando em nossa direção.

Vejam bem, centenas de carros levando crianças de 25 anos em média, que estão na jornada de mudança de consciência mais assustadora que possam imaginar, fazem o retorno em uma estrada de dois sentidos, estreita, na fronteira de Gaza.


"Estávamos como ovelhas em uma jaula, procurando um furo na cerca para que possamos fugir."

Estive apenas neste filme durante o tempo todo! Filme que me dizia: “ Vai haver aqui um acidente antes que um foguete caia sobre nós”.

E assim, viramos 3 vezes. A cada vez tentamos pegar uma outra estrada. Estávamos como ovelhas em uma jaula, procurando um furo na cerca para que possamos fugir.

Pedi a Tamar que estava sentada ao meu lado: “Me pegue um Falafel”. Sim Falafel! Preparamos ele na noite passada na casa da Tamri, e ele fica ótimo com Tahine.

Estava com fome, OK??

Já eram 7 horas da manhã, estou me sentindo bem, não bebo café e tenho 42 anos, pelo amor de Deus!


Ao mesmo tempo que eu dirigia, Tamar misturou a Tahina pura com água e limão e segurou para mim a bacia de plástico para que possa mergulhar o Falafel na Tahine, a cada mordida e meia, junto com tomates cherry que tínhamos comprado no mercado no dia anterior.


Viajamos, estamos a caminho, não precisamos ficar nervosos, vamos sair desta. Não passava por minha cabeça por um instante sequer que não iríamos conseguir. Vejam, eu viajo por todos os lugares do mundo com a sensação de que nada ruim irá

acontecer de verdade comigo. Vou ter dificuldades, vou ultrapassar abismos, mas nada realmente mau vai acontecer comigo. Tenho certeza que estão pensando? “Você falou demasiadamente cedo”. Mas falo antes do tempo já há muito tempo, e veja, estou aqui.


Neste tempo, também decidimos procurar por um abrigo e parar, em vez de continuar com esta loucura de viagens sem destino. Assim, paramos por dois minutos. Ifat entrou no abrigo enquanto eu e Tamar fumávamos do lado de fora. Imediatamente vimos que os carros continuavam a passar em nossa frente. Então voltamos para o carro para que chegássemos em outro beco sem saída.

O que teria acontecido se tivéssemos decidido permanecer no abrigo? Teríamos acabado como Shuval e Ran?

Mas espere, estou adiantando a estória.


Chegamos no beco sem saída número 3 e de repente Nataly e Yaeli lideram o comboio que retornava em nossa direção. Eu buzino para elas. Nataly tira a cabeça para fora da janela e grita algo do tipo “Vá para o outro lado”. Então viramos e viajamos até que passamos a encruzilhada da festa pela terceira vez, e paramos atrás de outro comboio de carros, desta vez que não se movem. Ficamos atrás do carro da Nataly, até que de repente ela começa a viajar de ré. Eu também dou ré,mas não tenho para onde ir. Muitos outros carros já estão atrás de mim e também não se movem. Eu buzino e grito “Nataly, nããão”. Escuto o barulho da batida, e não entendo o que está acontecendo à minha volta.


No dia seguinte, a Nataly me contará que escutaram que existem terroristas na frente do comboio e que estão atirando nos carros.

De alguma forma elas nos ultrapassaram e eu grito para as meninas: “Chega, não posso mais”. “Ninguém sabe o que ocorre. Isto vai acabar em tragédia”. Ainda estou pensando que o pior que pode acontecer seria um acidente de trânsito gigantesco. Disse: “Eu vou parar o carro e nós vamos descer e se proteger embaixo da ponte”.

Parei no acostamento, e saímos do carro para respirar por instantes.


Ifat já tinha começado a andar em direção a ponte, a uns 50 metros do carro, e os foguetes ainda estavam sobre nós o tempo todo. Estávamos certo que o perigo vinha apenas dos céus nesta fase. Com este pensamento, compreendi que iríamos ficar embaixo da ponte por um certo tempo, então movimentei o carro para que ficasse longe da estrada para não atrapalhar a passagem.


Não imaginava que a distância entre ficar calmo e fazer uma idiotice era tão pequena.

Terminei de estacionar, Tamar organizou algumas coisas para levar conosco, incluindo água. Fomos muito responsáveis. Com certeza as crianças vão precisar beber, pensou nosso cérebro maternal.

Descemos para debaixo da ponte e acendemos um cigarro em comum. Outro grupo que nos pareceu com a mesma média alta de idade nos sugeriu “Continuar com a festa”. Recusamos educadamente, nossos cérebros já estavam sobrecarregados.


Durante todo o tempo, jovens correm de todas as direções. Não compreendo o porquê desta histeria, os foguetes logo irão acabar.

Passei o cigarro para a Tamar, olhei-a nos olhos, e ela nos meus, e gritamos sem voz WHAT THE FUCKKK??? uma para a outra.

Então escutamos que existem terroristas ao redor. O que? Quantos? 50 metros de nós, disse alguém.

E a segurança do alto nos manda entrar nos carros e viajar para o leste.


"Os terroristas estão ao nosso lado, longe, com certeza somente um ou dois. Não imaginava que existiam tantos grupos de terroristas."

Então entrei sem vontade no carro, e continuamos com o comboio pelos campos, para o leste. Viajamos algo que parecia como um quilómetro, quando de novo vimos que o comboio retornava. Paramos no lugar. Não compreendíamos para onde tínhamos que viajar. Saímos do carro para ver o que acontecia ao redor, e de repente escutamos tiros ao nosso redor.

Imediatamente voltamos ao carro e começamos a viajar. Já não importava se era no caminho ou não, viajamos.

Ifat, atrás de mim, chorava “Vá, vá, eles estão atrás de nós”.


Viajei o mais rápido que podia, olhando apenas para frente.Somente para frente. Para frente vai nos salvar. De repente vejo em um pequeno monte à minha frente, que pessoas estão correndo pelos campos. Porque estão correndo? Porque estão sem os carros? Os terroristas estão ao nosso lado, longe, com certeza somente um ou dois. Não imaginava que existiam tantos grupos de terroristas.

Enquanto viajamos, de repente, um jovem pulou sobre a gente, abriu a porta do carro e gritamos para ele “Entre, entre”. Junto com ele, outros dois, talvez três. Continuamos viajando. Atrás de mim, todos estavam histéricos, chorando e gritando, e eu apenas olhando para frente. Não para trás, de nenhuma forma, não para trás.


Uma das jovens pediu para descer, então parei e elas desceram, e em seu lugar entraram outros dois. Nesta fase éramos 8 pessoas no carro, 6 atrás com as portas abertas e cheias de pó. Muita poeira a frente, dos lados e dentro do carro. Não via mais que um metro a frente. Talvez isto tenha causado uma camuflagem para o carro?

“Vá, vá mais rápido”, eles gritaram.

“Vire à direita”

“Não, vire a esquerda”

“Viaje em direção as colonias”.

“Não, viaje para Tzeelim”.

A face de Shon Kogama estava esmagada entre minha face e a de Tamri devido a quantidade de pessoas, senti a respiração com medo do jovem. Senti o medo da morte de todos.

Novamente olhei nos olhos da Tamar e gritamos sem voz WHAT THE FUCK????


Nesta fase estava dirigindo a 60 km/h apertando o pé no acelerador até o fim. Estava difícil para meu confiável Mitsubishi Attrage.

Disse em minha voz firme e que transmite autoridade: “Eu e meu pessoal vamos decidir daqui em diante. Estamos a caminho. Respirem!”. Talvez isto pareça menos organizado, mas este era o sentido.

Nesta fase estávamos sozinhos na estrada. Não havia nenhum carro à frente, ou atrás. Apenas nós oito.

Chegamos a estrada de acesso a algum kibutz. Tamar Schiffer Shiv, talvez se lembre?

Encontramos um major do exército com furos no pneu devido aos tiros, viajando apenas nas rodas.”Viajem para a base mais próxima, lá estarão seguros”, ele disse. “Eu também vou para lá, mas vai demorar mais tempo devido aos furos no pneu”. O abençoamos e continuamos a viajar.


Depois de algumas centenas de metros vimos um carro com o capô do motor do carro furado de balas, e um rapaz ao lado sinalizando para pararmos.

Abrimos todas as janelas e nos desculpamos por não termos mais lugar. Atrás de nós está vindo outro carro com um militar e ele poderá te recolher.

“Fiquem a salvo, vamos sair dessa, fiquem a salvo” , disse com um otimismo feliz de estar vivo.


Continuamos na estrada mais uns dez minutos. Pensamos em nos dirigir para a base militar de Tzeelim, mas alguém disse que os terroristas tinham dominado uma base, talvez seja esta. Localizamos uma placa e a seguimos.

“Disse a vocês que iríamos passar tantas aventuras até as 7:30, e você queria fazer yoga”, disse a Tamri, tentando deixar o ambiente mais leve, principalmente para mim mesma.

No momento que estacionei no portão todos pularam para fora, incluindo a Ifat.

Ela viu que estávamos demorando e balançou a cabeça sem acreditar. Estas são muito doidas

Disse a Tamar: “preciso fazer xixi”. E ela respondeu “eu também”.

Nos agachamos atrás do carro empoeirado. Escuto gritos vindos do portão, “Venham logo”.

Fiz uma careta para a Tamri que dizia: “Vamos, eles estão com pressa”. Peguei um telefone e água. Ela pegou uma pochete sem telefone e água, e corremos para o portão.


Os soldados desta base que não é de combate nos mandaram para o abrigo antiaéreo .Lá já estavam os jovens que viajaram conosco e ainda encontramos por lá Shuval e Ran que estavam sangrando , obtendo os primeiros socorros da Shai, a enfermeira encantadora da base, sobre um chão todo ensanguentado.


"Nesta fase conseguimos enviar notícias para nossas famílias e amigos dizendo que estávamos a salvo."

Nas horas seguintes que passamos na base soubemos que Shuval e Ran ficaram na tundra ao lado da estrada junto com muitos outros jovens escondidos dos foguetes. Um terrorista jogou uma granada na tundra. No caminho de saída não localizaram outros sobreviventes, sendo obrigados a pisar em cadáveres estraçalhados para sair. Shuval estava com fragmentos em suas duas pernas , como também Ran. Para sorte deles, receberam ajuda e conseguiram subir em um carro que passou nas proximidades com uma moça simpática que também chegou na base.


Nesta fase conseguimos enviar notícias para nossas famílias e amigos dizendo que estávamos a salvo. Ficamos sabendo que foguetes caíram também em Tel Aviv e que nossos filhos estão bem. Desde que nasceram, foram bem treinados.

Às 13:00 aproximadamente abriram a estrada e evacuaram os feridos em uma ambulância, e também nos propuseram voltar para casa.


Tínhamos dificuldade em crer que a estrada estava aberta, ficamos mais um tempo na base, mas a vontade de voltar para casa era tão grande que corremos para o carro. Entramos batendo as portas e viajamos em silêncio durante dezenas de minutos.

Desmaiei em minha cama na Praça Rabin às 16:00 aproximadamente, depois de um banho que me reviveu. Acordei apenas às 20:00 ao som de sirenes e explosões no centro de Tel Aviv.

E,então, começamos a descobrir o tamanho da tragédia.

De repente descobrimos que nossa festa ficou conhecida como “a festa”, aquela em Reim, aquela chamada Nova.

Descubro nossa sorte e cuidados que estavam comigo, conosco. Que as piores coisas não vivenciamos.

Desde hoje, o que aconteceu em 7 de outubro de 2023 será lembrado como um momento Kensho, que significa crescimento e florescimento devido a uma crise, dor. Crise que afetou meu mundo e de meu país, até o ponto que mudou o mapa de navegação de todos, me deixando curiosa em descobrir qual o bem que surgirá dessa maldade.

Eu comprei a entrada para a festa Nova um dia antes do evento. Minhas amigas compraram com antecedência de vários meses.

Quando irei descobri porque precisava estar neste lugar?


Como é bom estar em casa.


Yonit on the way to lunch

Nas fotografias apareço com a Tamri no Mercado Carmel na sexta feira ao meio dia, no caminho para o almoço. Impossível imaginar o que as próximas horas nos trariam.



Yonit at NOVA

O pouco que consegui captar da linda pista de dança.


Sunday night comfort dinner with the children

E a foto de todas nós abraçadas e de nossas crianças com panquecas de chocolate no domingo à noite, em casa, em Tel Aviv.



Yonit K.


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