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Testemunhos de sobreviventes

Leia a seguir

Eles conseguiram levar-me a arma. Tentaram atirar em mim, mas não conseguiram (não sei o porquê)

  • Victoria T.'s story

E assim, permanecemos deitados no chão durante 17 horas. No escuro. Sem água. Sem comida. Sem ar

Os terapeutas dizem que é importante compartilhar. É necessário devolver o controle sobre a vida. Estivemos por muito tempo impotentes quando alguém outro dominava nossa vida, decidindo por nós o que aconteceria.


6:29 Acordamos com as sirenes de Tzeva Adom(Alerta). Fechamos as janelas do mamad (abrigo de segurança). Imediatamente pego o celular para ver no noticiário o que ocorria, o que aconteceu à noite? O que fizemos para recebermos foguetes? Nada… Silêncio… Digo ao Nadav que isso não tem lógica. Não tem lógica esta barragem de foguetes, nunca foi assim. Passaram-se alguns minutos. Ligo a televisão do quarto.

Estou grávida no oitavo mês, Nadav meu herói e nossa fantástica cadela Nocha sentam-se no mamad. Os foguetes não paravam.


E então começamos a escutar tiros. Tiros que nunca tínhamos escutado até então. Tiros de armas “leves”. Não eram foguetes, nem morteiros. Armas de mão, de todos os tipos.


"Quando ele voltou e vi a faca, logo compreendi…"

Começamos a receber mensagens nos grupos do kibutz. As mensagens que não tinha visto no começo, o Nadav viu. Meu herói.


Ele disse-me: “Vista-se, volto logo” e saiu do mamad. Correu para buscar uma faca da cozinha. Quando ele voltou e vi a faca, logo compreendi…


Escutamos gritos do lado de fora. Meu herói foi até a janela e abriu uma fresta. Ele tinha certeza que eram os nossos soldados. Era um grupo de 6 desgraçados que se aproximavam de nossa casa. Não estavam correndo, não estavam estressados. Andavam… Andavam. Riam, Riam… Assim, estavam em volta da nossa janela.


Nadav olhou para mim. Seu olhar. Um olhar que dizia tudo. Um olhar que nunca esquecerei e que irá me acompanhar até o último dia de minha vida.


Ele correu para a porta do mamad e segurou a maçaneta. Desliguei as luzes e a televisão. Sentei no chão. Segurei a Nocha. Estava tão assustada que certamente latiria. E como se compreendesse, deitou ao meu lado e não se moveu.


Conversei com meu irmão pelo telefone, não falamos muito, principalmente respiro. Tranquilizou-me saber que tinha alguém comigo na linha.. E meu herói, ainda de pé, segurando a maçaneta. E assim se passam duas horas, ou mais, não tenho noção do tempo.


Durante este tempo, recebemos mensagens pelos grupos do kibutz. Impossível descrever, o pior horror que poderíamos imaginar. Implorando por ajuda. Implorando por resgate. “Temos terroristas em casa, e nós estamos fechados no mamad”. “Estão queimando nossa casa, e nós fechados no mamad”. “Eles estão tentando abrir a janela do mamad”, e mais, e mais, e mais.


Passou muito tempo até que nossos soldados chegassem, pareceu como uma eternidade e mais um pouco. Aos poucos, pessoas do exército entraram nos grupos de WhatsApp do kibutz pedindo por informações, quem estava escutando árabe, onde os terroristas se encontravam e que enviássemos coordenadas. Nós, as pessoas que estavam sendo queimadas em suas casas, ativamos nossas forças para conseguir fazer isto, mas as pessoas que tinham se comunicado antes, não estavam mais. Restava-nos esperar que os seus celulares não tivessem mais bateria.


"Tiros e gritos. Troca de tiros entre forças. Todo o tempo tiros"

Meu herói se lembrou que a câmera de vídeo da sala estava ativada. A câmera que compramos para observar a Nocha quando não estivessemos em casa. Quem imaginava que serviria para outra função. Ele ativou o sensor de movimento, assim, quando alguém se movimentasse na sala, receberíamos um alerta no telefone. Ele não me contou o que isto fazia, mas apenas depois de tudo ter acabado. Mas vi que ele de repente respirou um pouco. Moveu a penteadeira grande para junto da porta, embaixo da maçaneta, para impedir que esta se abrisse. E assim pode soltar as mãos.


Durante todo o tempo escutávamos tiros como ruídos de fundo. Tiros e gritos. Troca de tiros entre forças. Todo o tempo tiros. Tiros sobre nossa casa. Tiros sobre a janela do mamad. Todo o tempo tiros. E assim, permanecemos deitados no chão durante 17 horas. No escuro. Sem água. Sem comida. Sem ar.


As mensagens nos grupos continuavam. Pessoas implorando para serem salvas. Pessoas batendo nas portas e janelas e gritando em hebraico para que abrissem, mas estes eram árabes. Os desgraçados que sabiam gritar Tzahal ( nome do exército de defesa de Israel) em hebraico.


"21:30 De repente escutamos alguém batendo na porta de nossa casa. Não abrimos. Não nos mexemos. Não respiramos."

Ao mesmo tempo, trocava mensagens com a vizinha da casa grudada na nossa, e ela tentava acalmar.-me Os vizinhos que nos salvaram. Por sorte, os desgraçados não entraram em nossa casa, nem na dos vizinhos. Não sei porque desistiram de nossa casa. Nunca saberemos. Mas, foi pura sorte. Sorte grande.


21:30 De repente escutamos alguém batendo na porta de nossa casa. Não abrimos. Não nos mexemos. Não respiramos.

Então a vizinha escreveu que nossos soldados chegaram e estão na casa dela. Pediu para que abrissemos a porta de entrada de nossa casa. Meu herói correu com uma faca para fora do mamad. Escutei ele gritando e perguntando coisas aos soldados do outro lado da porta, para ter certeza que eram realmente nossos soldados. Apenas depois de certificar-se, ele abriu. Nadav veio correndo para mim e disse: venha, vamos sair. Levei a bolsa onde guardamos nossos passaportes. Coloquei junto a minha carteira e a dele. Ele pegou a Nocha e saímos de casa. Sem mais nada. Sem nada.


Nos juntaram em 4 casas geminadas que pertencem aos jovens, para que pudessem melhor nos proteger. Lá passamos mais algumas horas. Até que recebemos autorização para sair. Como sair do kibutz? A pé… Andamos acompanhados pelos soldados até o posto de gasolina na entrada do kibuz. “Caminhada da morte” a chamamos até o dia de hoje.


Esperamos no posto por um ônibus que iria nos buscar. Não sabíamos para onde iríamos. Apenas que nos tirassem de lá . Começamos a viajar e então informaram que seríamos levados para o moshav Odaia. Ficamos felizes que estaríamos perto de Ashkelon, de nossas famílias.


Não irei descrever todas as monstruosidades que vimos no caminho. Existem já muitos vídeos na Internet. E isto é tudo de forma resumida, muito resumida. 17 horas no chão do mamad, no escuro, com medo, sem falar. Um Holocausto, quem não esteve presente não poderá entender.


Kfar Aza, 7.10.2023



Victoria T.

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