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Testemunhos de sobreviventes

Leia a seguir

Um breve momento durou dez horas. Dez horas no mamad sem resposta. Dez horas de medo existente só em filmes

Noam G.'s story

8:10 Este é o horário da sua última resposta,e às 8:17 a última vez que aparece no WhatsApp

Sábado 7/10/2023

6:00 Os alarmes de emergência no celular não paravam de tocar. Tzeva Adom em todo o lado. Pensei comigo mesmo, são bombardeios, vamos permanecer no mamad (quarto de segurança). Isso vai acabar.

Não imaginei o que iria acontecer comigo e com minha família. Amit estava sozinho em sua casa  no bairro dos jovens.Lga-me  e pergunta para sua mãe o que fazer. Ela diz-lhe para permanecer no mamad e não ficar saindo dele a todo tempo. Ela verifica de tempos em tempos como ele está.


8:10 Este é o horário da sua última resposta, e às 8:17  a última vez que aparece no WhatsApp.

6:38 Harel comunica sobre tiroteios no kibutz e pede ajuda para quem puder sair de casa. Encontrei-me com o Yaniv na parte norte do novo bairro. Ficamos guardando a cerca. 


De repente, vimos 5 peruas carregadas de terroristas viajando pela estrada 232 em direção norte. 

Pergunto ao Harel se os portões do kibutz estão fechados. Responde que sim. Fico mais tranquilo. O “comboio” para no cruzamento de entrada para o kibutz, ao lado do ponto de ônibus. Nos abrigos de segurança vários jovens que estavam na festa protegiam-se  dos bombardeios.Fico imaginando o que ocorria. Coloco meus pensamentos sobre Amit de lado, pensando o que poderia fazer. Como por exemplo tomar conta de  nossa casa.


O portão amarelo é aberto e a tragédia está a caminho. Escuto tiros de todos os lados e também em nossa direção, vemos marcas de poeira subindo do chão.

Yaniv pergunta-me  o que podemos fazer e como enfrentar tudo isso. Escuto pelo walkie talkie, que de alguma forma ainda funciona, que os terroristas conseguiram invadir o kibutz. Escuto que o Niv está enfrentando terroristas na região das barracas e dos centros comunitários. Não sabemos o que fazer. Fortes ruídos de tiros e explosões sem interrupção. Sentindo-nos impotentes diante da situação, cada um de nós vai para a sua casa, com o pensamento que não temos mais chances.


Volto para casa sabendo que não posso mais lutar.

Também tenho muito muito medo. Todos nossos treinamentos militares  ensinaram-nos a enfrentar um pequeno grupo de terroristas, não dezenas deles.

Fico no mamad com Adi, Ofri, Omer e Hezi. Permaneço com meu colete a prova de balas feito de cerâmica e com minha arma. Sei que estou pronto para tudo, quem quiser entrar vai ser eliminado.


Fico dividido entre sair para lutar ou permanecer guardando minha família. Nunca tive tanto medo como neste sábado. 

Para mim, reconheço que não tínhamos grandes chances de sobreviver. Adi me diz que perdeu o contato com Amit. Disse a ela para sermos fortes pois acreditava que ainda vamos ter boas notícias. Internamente, já entendia o que aconteceu, mas reprimo este pensamento. Pelo WhatsApp escutamos que terroristas já se encontram nas casas de diversas famílias, e que já tínhamos diversos feridos. 



Noam G with a helmet, vest and a weapon

Depois de um certo tempo, saio e subo ao telhado, pensando que de lá poderia melhor proteger a casa. Golan e Tzofit já lá estão escondidos, o que meu deu uma certa confiança, apesar de Golan não estar armado.


Após as 10 horas, Adi comunica-me que Ella e Uri já sentem o cheiro de fumaça dentro do mamad. Minutos antes, sua  casa foi incendiada. Yael e Danny estão no exterior, assim, Ella e Uri estão sozinhos no mamad. Estou arrasado e sem respostas. Todo este bairro está sendo atacado, e não temos como ajudá-los. Danny está me enviando mensagens da Escócia, mas não posso fazer nada.


Vejo quantidades enormes de terroristas andando ao longo da cerca do lado de fora do kibutz.

Tento imaginar como poderia eliminá-los sem que atraísse atenção para mim e  minha casa. Decido atirar de forma precisa, tiros isolados. No quarto tiro acerto um terrorista. Percebem que estão sendo atacados e assim fogem de nossa área. De repente escuto tiros embaixo. Bubu parece como Rambo na Guerra do Vietnã, armado e com um colete à prova de balas. Não me lembro o que conversamos, mas dou-lhe  dois pentes de balas.Ele jogou uma arma e carregadores  para o Golan e se juntou aos membros da unidade de prontidão do kibutz. Logo depois, Golan desceu para tomar conta dos filhos do Karp que ficaram sozinhos em casa e viram seu pai e cônjuge serem assassinados.


Volto para o mamad. Adi está estressada e com dificuldade de respirar. Não temos notícias do Amit.

Pede para tentar saber o que aconteceu com ele. É impossível chegar até ele, principalmente sozinho.

 Subo e desço do telhado continuamente. 


Ao meio dia aproximadamente vejo soldados vistoriando as árvores em volta do cemitério. Fico mais tranquilo, pelo menos este lado está protegido. Yaniv chama para nos juntarmos à vistoria. Fomos em direção ao bairro dos jovens e nos juntamos a um grupo de soldados. Apenas quero obter informações sobre Amit, e de certa forma ainda estou otimista. 

Yaniv assumiu o comando e orientava nossas forças. Mostrou-lhes  um mapa do nosso bairro. Fiquei imaginando que ainda restava ainda  vasculhar duas áreas. Não sabia se alguma das casas desta região tinham mamad e parecia ser impossível chegar mais perto. Tentamos nos aproximar pela área da casa do Kobi Ben Zaken, movendo-nos lentamente em direção às oliveiras.


Passamos por um morteiro RPG armado, pronto para ser lançado, encostado em uma parede.

Os soldados tomaram a dianteira, um tiroteio terrível. Vejo soldados sendo atingidos e caindo, outros levando os feridos para trás, alguns mortos. 

Soldados retiram Inbar Dromi pela janela do mamad. É a janela próxima a casa do Amit. Tentei obter mais informações, mas  não me deram nenhum dado positivo. Mesmo assim, permaneci otimista, dizendo para mim mesmo que milagres acontecem. Talvez, consigamos um milagre também, deixando de lado os maus pensamentos.


Yaniv e eu nos protegemos atrás da casa de Mor Schnapp. Durante todo o tempo eles atiravam em  nossa direção. Tentávamos atirar de volta, mas realmente  não conseguiamos.  Depois atiraram-nos  uma granada , e felizmente nos salvamos.

 Fiquei em contato com Ilan Cohen durante todo este tempo, reportando que havia terroristas nesta região e que o exército não conseguia dominá-los. Ilan não tinha respostas. Ele nem estava no kibutz, mesmo assim conseguiu controlar a situação da melhor forma possível dadas as circunstâncias.


Uma segunda granada foi jogada, e fomos empurrados para a área  entre a casa e o abrigo de segurança. Yaniv com suas costas para a granada e eu entre ele e a parede, ambos agachados. Não tivemos tempo de nos defender como deveríamos. Um estilhaço atingiu Yaniv por debaixo de seu colete, e ele correu em direção a farmácia.


Fiquei sozinho com a Inbar e dois soldados. Os tiros não paravam por nenhum momento. Inbar perguntou-me :”Você tem uma arma para mim ?” Havia um rifle no chão. Inbar o pegou e lhe dei um pente de munição. Ele estava descalço e sem nenhum equipamento de proteção, mas estava disposto a lutar.

 Perguntei ao soldado: “Onde está o restante do seu batalhão?” Ele levantou os braços, e disse que não sobraram outros soldados.


Depois de pouco tempo percebi que atiravam em nós da entrada da casa que fica na frente da casa do Amit. Ao contornar a casa, deixei o cano do rifle para fora. Felizmente, não tinha ainda colocado também a cabeça para fora quando uma bala atingiu a mira da minha arma. Estava então com uma arma sem mira. Ainda não tinha compreendido a magnitude do que tinha acontecido. Demorou alguns minutos para me recompor. Desmontei a mira e  perguntei-me como continuar a luta?


Os soldados pediram-me  para guardar o flanco sul a fim de que os terroristas não possam escapar em direção da sinagoga. 

Fico posicionado dentro da vegetação tendo dificuldade em ver o que estava acontecendo. Vejo terroristas indo e voltando.

Entre as casas, um deles aparece com um morteiro RPG e atira para um alvo entre a casa do Amit e a casa do Igal e volta a se esconder. Outro terrorista com um boné azul, parecido com o usado pelos pilotos de nossa força aérea, andava de forma estranha. Não consigo ficar em uma boa posição de tiro, além de não ter também a mira.Estou com muita sede, mas não tenho água. Vou então para a sinagoga beber. Depois de alguns longos minutos, sinto que o que aconteceu causou-me uma confusão na cabeça, não conseguia  concentrar-me e prosseguir na luta.


Pergunto para o Inbar se ele está junto com os soldados e a força de segurança do kibutz, ou se precisa que o acompanhe para algum lugar? Acompanhei-o para a casa de sua mãe, e nos separamos. Voltei para casa caminhando entre os arbustos para evitar os caminhos desprotegidos. Estava morto de medo que algum terrorista aparecesse de repente, minha cabeça funcionando a mil.


 Entro no mamad exausto e Adi está acabada. 

Pergunta por notícias do Amit, mas, respondo que não tenho nenhuma. Depois do meio-dia enfrentamos um  silêncio amedrontador, interrompido por tiros esporádicos. No final da tarde, recebemos uma mensagem dizendo que já podíamos sair do mamad, mas não das casas. O kibutz ainda não estava ainda livre dos terroristas. A última vez que comemos foi ontem a noite, na refeição do Shabat, junto com a família Toledano, Ariel e as crianças, Ella e Uri e Mami ( minha mãe ). Estávamos em uma mesa grande com muitos pratos gostosos, e também foi esta a última vez que vimos e demos risadas com o Amit.  Lembro-me que Amit me pediu para sentar ao seu lado. E deixar  Omer longe. Ele a amava loucamente, mas precisava de um tempo de vez em quando.




Noam G with his son Amit

Já era sábado à noite, a tensão dos combates tinha diminuído, e estava tudo em silêncio, apenas sons de tiros a distância. Os soldados fizeram uma primeira verificação do kibutz. Compreendi que ainda restava  confirmar a região onde os jovens moravam. Consegui adormecer. Adi estava com meu telefone. De repente, entre uma e duas horas da manhã, recebemos mensagens dizendo que os terroristas estavam tentando entrar na casa de Yaniv e Snonit. Adi acordou-me, coloquei o colete a prova de balas e peguei minha arma. Minha pulsação estava a 400. Soube que os terroristas estavam na casa do Tuvia. Enviei meu relatório para o Golan que sabia que algo estava acontecendo perto da gente. 

Bubu que também estava conectado se juntou aos soldados e acabaram com o problema. Cada minuto demorava uma eternidade. As horas se passaram, o sol nasceu e ainda não tínhamos nenhuma notícia do Amit. Ao redor das 9 horas, o Yaniv ligou chorando. Tinha certeza que iria  contar -me más notícias. Mas, não foi o que temia. Com um choro amargo, sem poder falar direito, conta-me que Shiron Shachar, nosso amigo de infância desde a idade 0, foi assassinado em Nir Itzchak. 

Ao mesmo tempo,

Adi viu pela janela  o Bubu e Noam Mark se aproximando da porta. Ela compreendeu imediatamente. 
Este momento iria modificar nossas vidas para sempre.

Noam G.

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